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  • 26/01/2018

    Saudades da minha vida no fosso (do Theatro Municipal do Rio)

     

    Um encontro casual outro dia com um veterano membro do coro do Teatro Municipal trouxe muitas boas lembranças dos meus três anos na versão do La Scala do Milan ou da Metropolitan Opera House no Rio de Janeiro.

     A memória fala: a primeira "lembrança" que vem à mente foi quando estive participando de "Rigoletto" com um mito brasileiro, a atriz e cantora Bibi Ferreira dirigindo a ópera clássica de Verdi.

      Naquela época, Bibi devia estar na casa dos 80, mas seu entusiasmo era de uma jovem, e eu descobri - assistindo da minha cadeira na orquestra, como primeiro oboé - o que um bom diretor faz ou deveria fazer: como ela mostrava, em minutos, detalhes no palco para os cantores todos os movimentos e gestos necessários para reeditar a saga. Os resultados foram magníficos: ela trouxe para a ópera a magia do mundo do teatro musical, que afinal é o que faz uma grande ópera!
    (Neste momento em que escrevo, Bibi, 95, deve estar se preparando para cantar em um novo show! É uma pena que o Teatro Municipal nunca a tenha chamado para outra produção de ópera. Está ouvindo, diretor do TM, Fernando Bicudo?)

       A ópera é um gosto adquirido, mas uma vez que voce é picado por esse bichinho - me picou quando trabalhei na Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal (Ostm) - isso pode mudar a sua vida e a sua visão da música (e talvez da vida). De repente, me vi comprando fitas de vídeo de óperas completas, indo para cinemas para assistir e ouvir como a ópera é feita em várias partes do mundo, e ouvir - no meu sofá ou deitado na rede nas montanhas de Teresópolis -  o programa "Ópera Completa": transmissões ao vivo do Metropolitan Opera House na Rádio MEC, a estação de música clássica do Rio, durante o frio inverno em minha cidade natal, Nova York.

          Mas a ópera é apenas parte da jornada de trabalho de um músico no fosso da OSTM, ou de qualquer orquestra de teatro. Que emoções eu senti quando toquei meus primeiros "Quebra-Nozes" e "Lago dos Cisnes" de Tschaikovsky com a OSTM ! (Se eu tivesse que tocar todos os anos por 30-40 temporadas, não sei se continuaria sentindo essa emoção). Desde as maravilhas do Cisne Negro até o Pas de Deux, tudo no palco é tão tentador de assistir, que era difícil para mim e para os outros músicos da orquestra mantermos nossos olhos sempre nas notas musicais, sentados em um espaço apertado (e eu pensava que tinha claustrofobia!).

        Mas performances de balé e ópera são apenas parte da vida no Teatro Municipal.

         Há os treinos / lições diárias para os bailarinos (com quem eu estava morrendo de vontade de me juntar para trabalhar meu físico...) e os aquecimentos vocais dos membros do coro, que também são uma valiosa inspiração para o instrumentista.

       E no final de óperas ou performances de balé, há outro momento mágico: quando a orquestra no fosso aplaude as estrelas da noite.

       Mas há as intrigas e os momentos coloridos que um músico sinfônico - como eu era - nunca poderia imaginar ou sonhar: o diretor brasileiro Gerald Thomas baixando as calças e mostrando o traseiro para o público quando eles vaiaram sua montagem escura e cheia de fumaça do "Navio Fantasma" de Wagner; dois cantores de ópera italianos saindo de uma produção de ópera após o primeiro ato porque não foram pagos; ou o regente da OSTM protestando quando um presidente impopular do Brasil esteve presente;  e meu oboé se transformando no "Pato" no "Pedro e o Lobo" de Prokofiev, em uma adaptação teatral americana completa, com juiz e testemunhas, chamada "Pedro contra o Lobo".

        Mas voltando aos meus 36 meses no fosso, outro momento inesquecível foi quando estive participando do "Candide" de Leonard Bernstein, com a equipe de Charles Moeller e Claudio Botelho, que iniciavam no Brasil suas muito aplaudidas montagens de clássicos da Broadway.  Toquei muitas vezes na cidade de Nova York na High School of Music and Art a famosa abertura de "Candide", mas nunca toquei toda a ópera, que se baseia no clássico de Voltaire. A platéia, a orquestra e o coro adoraram todos os momentos dessa volta de Leonard Bernstein ao Rio de Janeiro. (quando jovem, Bernstein visitou o Rio como maestro e pianista solo da New York Philarmonic, e muitos anos depois voltou ao Rio anonimamente durante o Carnaval, incluindo uma visita ao compositor brasileiro Guerra Peixe. Mas essa é outra história!)

         Ah, a memória fala...os sonhos que se tornaram realidade no Rio de Janeiro: tocar "Carmen" de Bizet e Salome de Strauss, 'Nabucco de Verdi' com o famoso coro 'Va pensiero',  'Cosi von Tutti' de Mozart com Fabio Mechetti conduzindo, e ' Carmina Burana' com o inesquecível Silvio Barbato (que morreu depois em um acidente de avião) conduzindo o coro, a orquestra e os solistas através do dinâmico latim profano de Carl Orff.

      Minha única lembrança ruim da vida no OSTM foi tocar - ou enfrentar - o "Lohengrin" de Wagner. Em circunstâncias mais favoráveis ​​- econômica e artisticamente - a orquestra deveria ser dividida para que os músicos não toquem quatro horas seguidas. (Uma parte da orquestra poderia tocar duas horas e outra parte as duas horas restantes). Mas no OSTM - novamente para reduzir as restrições orçamentárias da orquestra, que esteve até recentemente com cinco meses atrasados ​​no pagamento de salários - os músicos tinham que tocar todas as notas até que eles caíssem de cansaço. E no final deste meu "Lohengrin", vários músicos tiveram uma série de doenças, e uma morte suspeita de um violinista.

    A temporada de 2018 no teatro municipal está prestes a começar ... A cortina será aberta após o Carnaval do Rio em fevereiro, com os salários (menos o bônus de dezembro) finalmente sendo pagos. Um antigo diretor, mas bastante capaz e carismático, Fernando Bicudo, está voltando a tentar uma renascimento no mesmo Teatro onde a lenda diz que Toscanini começou sua carreira, quando um maestro estava doente ou não apareceu para reger. Apesar da saída do ex-diretor artístico Andre Heller, uma diretoria artística coletiva está assumindo, incluindo a lendária primeira bailarina Ana Botafogo e o excelente maestro Tobias Volkmann. MAS, enquanto escrevo este texto no final de Janeiro, ainda não sabemos quais balés e óperas serão encenadas em 2018!

    No chamado "mundo desenvolvido", dançarinos, cantores, cenários e figurinistas e músicos orquestrais saberiam com antecedência - um a três anos ou antes - o que vai acontecer, para que eles se preparem. Mas o Rio de Janeiro é muitas vezes a cidade dos milagres, e estou certo de que todos irão, de alguma forma, estar preparados.

    Boa Sorte, Mr.Bicudo e antigos colegas no Teatro Municipal do Rio. SAUDADES!

       

    Texto: Harold Emert (contato) - tradução: Roberto Carelli

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