Se meu pai não tivesse dito "não", talvez
hoje eu seria um percussionista e não um oboísta.
O "não" veio na escola pública onde eu estudava em Nova York, minha cidade natal,
quando passei em um teste que mostrou que eu tinha talento para a música.
Foi quando ofereceram o "privilégio" (para meus vizinhos) de
me ensinarem a tocar a bateria. O barulho
causou um verdadeiro
distúrbio no apartamento no lado leste de Nova York
- eu com meus quatro irmãos.
Assim, depois de receber o segundo "não" de papai
a meu pedido de aprender a tocar a tuba, aceitei aprender o saxofone e, anos depois,
finalmente comecei com meu amado oboé.
No entanto, a percussão sempre me obcecou durante toda minha carreira musical, inclusive em minhas próprias composições, especialmente "Three Encounters",
para oboe, agogô, reco-reco e cuíca (dedicado ao meu entusiasta de
uma escola de samba americana -Eugenio 'da Cuíca' Rausa).
Apesar da minha curta carreira na percussão, sempre me perguntei o que - além de um talento óbvio para o ritmo - é preciso
fazer para se tornar um percussionista?
A estrela da percussão local, Pedro Sá
(foto ao lado), da Orquestra Sinfônica Petrobrás (Opes),
e que realizou um recital com seu duo de percussão na noite do
último 5 de Outubro na Igreja Batista
no Estácio (RJ), define o que é
preciso para ser um percussionista:
"A falta de precisão rítmica pode até ser um pouco tolerada em outros instrumentistas (cordas e sopros), mas no caso da percussão é requisito número um. Porém, engana-se quem pensa que a tarefa da percussão se restringe a percutir apenas "cabeça de nota", executar só a figuração rítmica.
O desafio na percussão é tocar, e não bater. Isso vem com anos de estudo, com o conhecimento específico da percussão, a técnica apurada e um preparo musical eficiente.
Para ser percussionista é necessário um alto grau de coordenação motora, além de gostar de estudar diferentes instrumentos, pois não ficamos em apenas um instrumento; o percussionista é multi-instrumentista.
Tem os tambores com baquetas, como tímpanos e caixa clara, tem os teclados com duas, quatro ou seis baquetas, mas também tem os os pandeiros, tumbadoras e atabaques, que são da percussão direta, tocados com as mãos nuas, sem baquetas.
Se possível, gostar de diferentes culturas para abrir a mente para diferentes ritmos e instrumentos como a nossa própria musica brasileira que é riquíssima, além da música da América latina, e também outras culturas como a indiana, a cubana e a africana, por exemplo.
Muitas vezes o ofício de percussionista requer criatividade na busca por instrumentos inusitados: tambor de freio de carro, garrafas, apitos, chaves, tubos de PVC.....percussionista não deve ser uma pessoa conservadora em termos sonoros e deve, se necessário, ir ao ferro velho procurar objetos, não se esquecendo de levar as baquetas! Importante ser uma pessoa flexível, pois nem sempre podemos levar grandes instrumentos na mala, e eventualmente temos que pedir instrumentos emprestados, como marimba cinco oitavas, tímpanos, e ficamos a mercê do que nos oferecem. É muito diferente de levar o seu próprio instrumento no case, montar e tocar."
O Argentino Dámaso Cerruti
(foto ao lado), percussionista, compositor
e professor que passou um tempo no
Rio antes de partir para outros
litorais (ele está atualmente em uma chácara
em Foz do Iguacu com pomar, horta, silêncio
e espaço para escrever um novo livro sobre 'Leitura, Escrita e Composição') acrescenta:
'Fundamentalmente necessita soltar seu corpo, liberar-se de ataduras corporais (dogmas religiosos, ignorância cultural) e aceitar que expressar-se brinda felicidade, sem sentimento de culpa ao ser observado. Superado o aspecto psicológico, o ritmo aparece".
Outra opinião especializada
vem de David Johnson,
ex-percussionista da
Orquestra Sinfônica
Brasileira, que
reside em Austin, Texas. Ele
foi professor na Escola de
música da UFRJ, professor de
dois membros atuais da
orquestra do Teatro
Municipal. A carreira
brasileira de David como a
estrela do tímpano na OSB se
deu em duas turnês
internacionais (eu também
participei dessas turnês
como primeiro oboé): em 1974
a 25 capitais européias, e
em 1978 aos EUA e ao Canadá. David deixou o Brasil para
estudar e se apresentar na
Europa, incluindo como
percussionista extra da
Filarmônica de Berlim antes
de se mudar para Austin.
David (foto à esquerda) diz que "desde uma
idade muito jovem eu fui
afetado emocionalmente por
música de todos os tipos, e
sabia que queria tocar um
instrumento. Eu usava
aparelho nos dentes na
época, e o diretor da banda
me desencorajava de tocar a
trompete, que eu preferia,
e resolvi aprender
percussão. Foi uma decisão
da qual eu nunca me arrependi.
Gosto especialmente de tocar tímpano na orquestra, e
instrumentos de baqueta
(marimba e vibrafone) em
musica de solo e de câmara."
Minha segunda pergunta sobre
percussão é "o que uma das
capitais mundiais de
percussão e ritmos, a
capital do Carnaval, Rio de
Janeiro, tem a ensinar para
músicos estrangeiros?"
O ex colega de Dave, Ted Moore
(foto abaixo a direita),
hoje lecionando e tocando
em São Francisco, e
trabalhando com diretor
do Jazz Ensemble na
Universidade Berkeley da
Califórnia, me diz: "Tive o
incrível prazer de ter
passado
2 anos e meio no Rio com a OSB, e também atuando com
alguns dos grandes músicos
de jazz brasileiros da época
... O Victor Assis Brasil
tornou-se um amigo íntimo e
gravamos dois álbuns junto
com alguns dos melhores
músicos do Rio, e também
atuando no primeiro Festival
Internacional de Jazz do
Brasil em São Paulo.
Desde o
início, eu fui bem recebido na
comunidade de músicos
que se reuniam no então
famoso Clube de Jazz Tio
Patinhas, em Copacabana.
Encontrei lá muitos músicos
excelentes, nos conhecemos
durante as muitas sessões
nas noites do Clube.
Eu já era apaixonado pela
música do Brasil antes mesmo de
ir para o Rio, e viver lá
simplesmente solidificou e
aprofundou esse amor. Foi
maravilhoso experimentar em
primeira mão como
tão profundamente a música toca
a tudo e a todos no Rio. É uma
parte inerente da
sociedade como todas as
coisas que associamos a essa
cultura maravilhosa.
Existe uma relação tão
estreita entre as estruturas
harmônicas do jazz e da
música brasileira, que não é
de admirar que os músicos de
ambas as culturas estejam
atraídos novamente para continuar essa
paixão pela musica
brasileira aqui nos
EUA, com muitos grandes
músicos como o guitarrista
Romero Lubambo, o baixista
Sergio Brandão e
o percussionista Café"
Todos os nossos
percussionistas estrangeiros
concordam que o Brasil e o
Rio de Janeiro ensinam a
qualquer um a tocar o que
não está escrito na partitura -
uma referência simbólica ao
que pode ser aprendido nesta
cidade e nesta nação frequentemente
turbulenta e imprevisível!
|
|