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  • 14/10/2017

    Seguindo o Ritmo: uma conversa com percussionistas cariocas (e ex-cariocas)

     

    Se meu pai não tivesse dito "não", talvez hoje eu seria um percussionista e não um oboísta. O "não" veio na escola pública onde eu estudava em Nova York, minha cidade natal, quando passei em um teste que mostrou que eu tinha talento para a música. Foi quando ofereceram o "privilégio" (para meus vizinhos) de me ensinarem a tocar a bateria. O barulho causou um verdadeiro distúrbio no apartamento no lado leste de Nova York - eu com meus quatro irmãos.

    Assim, depois de receber o segundo "não" de papai a meu pedido de aprender a tocar a tuba, aceitei aprender o saxofone e, anos depois, finalmente comecei com meu amado oboé.  

    No entanto, a percussão sempre me obcecou durante toda minha carreira musical, inclusive em minhas próprias composições, especialmente "Three Encounters", para oboe, agogô, reco-reco e cuíca (dedicado ao meu entusiasta de uma escola de samba americana -Eugenio 'da Cuíca' Rausa).   

    Apesar da minha curta carreira na percussão, sempre me perguntei o que - além de um talento óbvio para o ritmo - é preciso fazer para se tornar um percussionista?    

    A estrela da percussão local, Pedro Sá (foto ao lado), da Orquestra Sinfônica Petrobrás (Opes), e que realizou um recital com seu duo de percussão na noite do último 5 de Outubro na Igreja Batista no Estácio (RJ), define o que é preciso para ser um percussionista:

    "A falta de precisão rítmica pode até ser um pouco tolerada em outros instrumentistas (cordas e sopros), mas no caso da percussão é requisito número um. Porém, engana-se quem pensa que a tarefa da percussão se restringe a percutir apenas "cabeça de nota", executar só a figuração rítmica.

    O desafio na percussão é tocar, e não bater. Isso vem com anos de estudo, com o conhecimento específico da percussão, a técnica apurada e um preparo musical eficiente.

    Para ser percussionista é necessário um alto grau de coordenação motora, além de gostar de estudar diferentes instrumentos, pois não ficamos em apenas um instrumento; o percussionista é multi-instrumentista.

    Tem os tambores com baquetas, como tímpanos e caixa clara, tem os teclados com duas, quatro ou seis baquetas, mas também tem os os pandeiros, tumbadoras e atabaques, que são da percussão direta, tocados com as mãos nuas, sem baquetas.

    Se possível, gostar de diferentes culturas para abrir a mente para diferentes ritmos e instrumentos como a nossa própria musica brasileira que é riquíssima, além da música da América latina, e também outras culturas como a indiana, a cubana e a africana, por exemplo.

    Muitas vezes o ofício de percussionista requer criatividade na busca por instrumentos inusitados: tambor de freio de carro, garrafas, apitos, chaves, tubos de PVC.....percussionista não deve ser uma pessoa conservadora em termos sonoros e deve, se necessário, ir ao ferro velho procurar objetos, não se esquecendo de levar as baquetas! Importante ser uma pessoa flexível, pois nem sempre podemos levar grandes instrumentos na mala, e eventualmente temos que pedir instrumentos emprestados, como marimba cinco oitavas, tímpanos, e ficamos a mercê do que nos oferecem. É muito diferente de levar o seu próprio instrumento no case, montar e tocar."

    O Argentino Dámaso Cerruti (foto ao lado), percussionista, compositor e professor que passou um tempo no Rio antes de partir para outros litorais (ele está atualmente em uma chácara em Foz do Iguacu com pomar, horta, silêncio e espaço para escrever um novo livro sobre 'Leitura, Escrita e Composição') acrescenta:

    'Fundamentalmente necessita soltar seu corpo, liberar-se de ataduras corporais (dogmas religiosos, ignorância cultural) e aceitar que expressar-se brinda felicidade, sem sentimento de culpa ao ser observado. Superado o aspecto psicológico, o ritmo aparece".

    Outra opinião especializada vem de David Johnson, ex-percussionista da Orquestra Sinfônica Brasileira, que reside em Austin, Texas. Ele foi professor na Escola de música da UFRJ, professor de dois membros atuais da orquestra do Teatro Municipal. A carreira brasileira de David como a estrela do tímpano na OSB se deu em duas turnês internacionais (eu também participei dessas turnês como primeiro oboé): em 1974 a 25 capitais européias, e em 1978 aos EUA e ao Canadá. David deixou o Brasil para estudar e se apresentar na Europa, incluindo como percussionista extra da Filarmônica de Berlim antes de se mudar para Austin.

    David (foto à esquerda) diz que "desde uma idade muito jovem eu fui afetado emocionalmente por música de todos os tipos, e sabia que queria tocar um instrumento. Eu usava aparelho nos dentes na época, e o diretor da banda me desencorajava de tocar a trompete, que eu preferia, e resolvi aprender percussão. Foi uma decisão da qual eu nunca me arrependi. Gosto especialmente de tocar tímpano na orquestra, e instrumentos de baqueta (marimba e vibrafone) em musica de solo e de câmara."

    Minha segunda pergunta sobre percussão é "o que uma das capitais mundiais de percussão e ritmos, a capital do Carnaval, Rio de Janeiro, tem a ensinar para músicos estrangeiros?"

    O ex colega de Dave, Ted Moore (foto abaixo a direita), hoje lecionando e tocando em São Francisco, e trabalhando com diretor do Jazz Ensemble na Universidade Berkeley da Califórnia, me diz: "Tive o incrível prazer de ter passado 2 anos e meio no Rio com a OSB, e também atuando com alguns dos grandes músicos de jazz brasileiros da época ... O Victor Assis Brasil tornou-se um amigo íntimo e gravamos dois álbuns junto com alguns dos melhores músicos do Rio, e também atuando no primeiro Festival Internacional de Jazz do Brasil em São Paulo.

     Desde o início, eu fui bem recebido na comunidade de músicos que se reuniam no então famoso Clube de Jazz Tio Patinhas, em Copacabana. Encontrei lá muitos músicos excelentes, nos conhecemos durante as muitas sessões nas noites do Clube.

    Eu já era apaixonado pela música do Brasil antes mesmo de ir para o Rio, e viver lá simplesmente solidificou e aprofundou esse amor. Foi maravilhoso experimentar em primeira mão como tão profundamente a música toca a tudo e a todos no Rio. É uma parte inerente da sociedade como todas as coisas que associamos a essa cultura maravilhosa.


     Existe uma relação tão estreita entre as estruturas harmônicas do jazz e da música brasileira, que não é de admirar que os músicos de ambas as culturas estejam atraídos novamente para continuar essa paixão pela musica brasileira aqui nos EUA, com muitos grandes músicos como o guitarrista Romero Lubambo, o baixista Sergio Brandão e o percussionista Café"


    Todos os nossos percussionistas estrangeiros concordam que o Brasil e o Rio de Janeiro ensinam a qualquer um a tocar o que não está escrito na partitura - uma referência simbólica ao que pode ser aprendido nesta cidade e nesta nação frequentemente turbulenta e imprevisível!

     

    Texto: Harold Emert (contato) - tradução: Roberto Carelli

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