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  • 17/02/2018

    Tributo ao fagotista Noel Devos

     

    Enquanto escrevo isso, um dos melhores fagotistas do mundo, o francês-brasileiro Noel Devos, de 88 anos, está hospitalizado em uma enfermaria de emergência em Copacabana, Rio de Janeiro, com infecção pulmonar.  

    Como primeiro oboísta da Orquestra Sinfonica Brasileira, tive a sorte de ter sido um colega de Devos por vinte temporadas, incluindo tournées pela Europa e EUA, bem como em numerosas gravações e solos (Mozart Concertante, etc.).

    Eu também compus e dediquei meu Duo para oboe e fagote, 'Três Divertimentos', para Devos, em um recital que realizamos no Museu de Arte Moderna do Rio.

    No último movimento, inclui um tema francês anterior à Segunda Guerra sugerido por ele, e incluí minha própria versão de "Frere Jacques".

    O Duo me trouxe boa sorte, tendo sido executado inúmeras vezes no exterior pelo New York Kamnermusiker e na minha própria apresentação com Leonard Hindell, ex-fagote da NY Philarmonic, na International Double Reed Convention em Muncie, Indiana, tendo sido bem recebida por um público de críticos.   


    Noel Devos (foto: Roberto Carelli/Brasil Clássico)

    E isso faz parte da magia e herança de um grande artista da música: Monsieur Devos, que deu seu toque de Midas na música e nos músicos no Brasil.

    Desde que chegou no Rio de Janeiro, em 1952, a convite do Maestro Eleazar Carvalho para se juntar à Sinfônica Brasileira, ele criou uma escola de fagotes. Não devemos esquecer que nessa terra exótica de Carnaval e de futebol, o fagote era instrumento relativamente raro e desconhecido (embora alega-se que o imperador Dom Pedro I teria tocado fagote!).

    Ele estimulou compositores como Francisco Mignone (16 Valsas solo, Concertino), Guerra Peixe (Duo para clarinete e fagote), José Siqueira (Modinha), entre outros, a compor para um instrumento até então pouco conhecido. E até mesmo compositores a escreverem obras para três, quatro ou cinco fagotes.

    E Devos inclusive mostrou que compositores como Ernesto Nazareth poderiam e deveriam ser tocados no fagote. 

    Enquanto escrevo essas palavras, meus ouvidos ainda se recordam de quando apresentamos o poema sinfônico 'Museu da Inconfidência' de Guerra Peixe com um solo surpreendente e genial para fagote de Noel, acompanhado de um woodblock.   

    Muitos estrangeiros chegam ao que consideram uma cultura desconhecida e distante chamada Brasil trazendo uma arrogância de primeiro mundo, do tipo "Eu estou vindo aqui para ensinar alguma coisa para esses nativos."

    O contrário é frequentemente o caso; Há muito o que aprender com aqueles grandes talentos que nasceram e cresceram aqui, ou aqueles que geralmente são imigrantes extraordinários como Devos, cujo destino era residir e trabalhar no Brasil - especificamente no Rio de Janeiro.
     

     Sem dúvida, esse nativo de Calais e graduado do Conservatório de Paris, foi um desses que trouxeram para o Brasil um grande talento usado para criar, em vez de criticar ou mesmo destruir.

    Seu legado é um exemplo de que as pessoas "refugiadas" muitas vezes podem fazer grandes contribuições para culturas "estrangeiras".
        

    Além de estimular novas composições para o fagote, Devos reviveu os trabalhos de educação musical do maior compositor do Brasil, Villa-Lobos, interpretando, gravando, e ensinando a nova geração como trabalhos difíceis (ex: duo para oboé e fagote), ou mesmos aparentemente impossíveis, devem ser tocados.

    Em 2017, ele recebeu a medalha Villa-Lobos por suas conquistas.

    Devos também deu inúmeros recitais para fagote e piano quando a cultura musical do país era mais conhecida como "pianolândia".
       

    Como primeiro oboe, sentei-me diante de este gênio do fagote francês por duas décadas. Nunca me lembro de ter ouvido de Devos uma nota fora do lugar.

    É extraordinário pensar sobre isso e, em retrospectiva, talvez explique sua façanha milagrosa de ter gravado em um dia, todas as dezesseis "Valsas", escritas para ele por Mignone, supostamente todas de uma vez.
       

    Em seu estúdio em seu apartamento no bairro do Catete, no Rio - a poucas quadras do Museu da República (a antiga residência dos presidentes do Brasil, quando Rio era a capital do Brasil) - Devos foi um trabalhador paciente, como foi mostrado em um belo documentário de sua neta, a cineasta Tatiana Devos Gentil.

    Sua rotina musical, que quase sempre incluiu tocar em duas orquestras, recitais de música de câmara, e ensinar uma multidão de alunos, não foi interrompida pela paixão amorosa de Ana, de sua esposa brasileira - ela própria, uma violoncelista na orquestra municipal do Rio de Janeiro.

    Ele manteve palhetas para seu fagote durante décadas, e muitas vezes usaria a mesma palheta que ele havia usado para executar Mozart ou Stravinsky 10, 20 ou 30 anos depois.

    Nas paredes do estúdio de Devos, além de revistas como a Gramophone e outras da França, estão pinturas caricaturizadas do fagotista e de outros músicos, pintados pela versão brasileira de Chagall, Alexandre Rapoport. (O filho do artista brasileiro, Ricardo, ex-aluno de Devos, é um dos mestres do fagote barroco francês.)

    Antes de ter Devos como colega na Orquestra Sinfônica Brasileira, nunca tinha ouvido um fagote francês e, a medida que os anos passam, este instrumento de palheta dupla mais leve e "líquido" está se tornando um dinossauro na orquestra. É uma pena, porque sinto falta do som único do fagote francês em Ravel (Bolero), Debussy e nos concertos para piano de Rachmaninoff, depois de ouvir Devos tocar os solos tão bem.

    No Hospital Copa D'Or, alguns dias depois do Carnaval no Rio, há lágrimas nos meus olhos quando saio da sala de emergência, onde o Sr. Devos está completamente entubado. Saindo junto comigo do hospital, um músico jovem, que qualquer outro americano no Rio pensaria que era um músico de Carnaval ou Chorinho. Mas não... Ele é um aluno. Não um aluno do Carnaval de Noel Rosa. Mas sim do fagotista Noel Devos.


    VIVA NOEL DEVOS!

       

    Texto: Harold Emert (contato)

    Edição adicional: Phylis Huber

    Tradução: Roberto Carelli

    (textos publicados nas colunas deste portal são de inteira responsabilidade de seus autores. Dúvidas ou questões, entrar em contato diretamente com o autor)  

     

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