Há algumas pessoas que
já foram ao encontro do Criador, mas
que se recusam a
sair da nossa memória.
E mesmo depois que elas se foram,
continua-se a ver seus fantasmas
"caminhando" pelas ruas, ou
mesmo
a assombrar a vida musical do Rio de
Janeiro. Refiro-me ao maestro,
compositor, arranjador e pianista
virtuoso Alceu Bocchino (foto ao
lado), cujo
centésimo aniversário será
finalmente lembrado nesta
semana com concertos nos dias 12 e 13 de
julho, às 20h na Sala Cecília
Meireles no Rio, com orquestras
regidas por Norton Morozowicz e
Tobias Volkmann.
O Maestro faleceu
em abril de 2014 aos 94 anos de
idade, mas ainda vejo a alma dele
andando pelas ruas do Rio de
Janeiro. E enquanto tento compor
minha própria música, ouço suas
dicas práticas de sabedoria
artística com que ele guiava seus
alunos, entre os quais, Tom Jobim.
O maestro Bocchino
dirigiu a antiga
Orquestra Sinfônica Nacional (UFF),
assim como a Orquestra do Teatro
Municipal e a Orquestra Sinfônica
Brasileira (OSB). Também trabalhou
como arranjador
da Radio Mayrink Veiga, da Rádio
Nacional e da Radio Mec, trabalhando
com os
principais cantores brasileiros de
sua época, como Elizeth Cardoso e
Silvio Caldas. Ele até compôs
música para uma novela: "As vidas de
George Sand".
Quando não estava atuando como
pianista em um estimado trio de música de câmara
com o violinista Anselmo Zlatopolski
e o violoncelista Iberê Gomes
Grosso, estava gravando com os principais
músicos brasileiros, incluindo os
flautistas Altamiro Carrilho e Lenir
Siqueira (os trabalhos de Patápio
Silva, lendário compositor e
flautista brasileiro).
UMA VIDA MUSICAL OCUPADA!
E tem mais:
em 1960, um ano após o
falecimento do brasileiro Heitor Villa Lobos, Bocchino
conduziu programas dos trabalhos de
mestrado, incluindo a primeira
apresentação do quinto concerto para
piano de Villa-Lobos. O
trabalho raramente é tocado hoje,
embora seja uma obra-prima.
No exterior, Bocchino
se apresentou em Sofia, Bulgária, Bilboa,
Espanha, Lisboa e Fort Worth, Texas,
e com a Orquestra Sinfônica Brasileira
na Espanha, quando eu fui seu
primeiro oboísta. Ele foi um dos
fundadores em 1985 da Orquestra
Sinfônica do Paraná, em Curitiba, onde Bocchino nasceu em 1918.
O Maestro também foi, até os seus
últimos dias, um querido professor de
regência e composição na escola Villa-Lobos, no centro do Rio de
Janeiro. Depois de suas aulas,
podia-se encontrá-lo em um café
próximo
ou mesmo no metrô com seu grupo de
estudantes, ou mesmo em seu
restaurante favorito na rua Siqueira
Campos, em Copacabana, onde ele, sua
esposa e duas filhas residiam.
Ainda encontro-me
ocasionalmente com sua filha Rosalba
em Copacabana sempre que vou ao meu cinema favorito, o
Cine Jóia. Nosso assunto preferido é,
claro, o maestro Bocchino, como se
ainda estivesse vivo. E de muitas
maneiras, como outros grandes nomes
da música em qualquer parte do
mundo, o Maestro é imortal.
Ele
era meu maestro favorito
quando eu fui o primeiro oboé da OSB, de
1973 a 1997. Os ensaios com ele
eram sempre divertidos, cheios de
risadas e boa música.
Eu gostava
de tocar principalmente as alegres aberturas de
Rossini regidas por este filho de imigrantes
italianos. Obras como o "Barbeiro
de Sevilha" e "La Gazza
Ladra" pareciam combinar
perfeitamente
com o Maestro, pois o bom humor
irreverente de Rossini lembrava o
brilho nos olhos e na batuta de Bocchino.
Antes mesmo de
começarem a aparecer os estudos sobre
Inteligência
Emocional, Bocchino já a aplicava.
Seu segredo para produzir boa música era que ele
entendia que fazer com que os
músicos tocassem as notas e
dinâmicas corretas não era a única
pista para conseguir que eles
executassem o MELHOR. O segredo era
criar uma atmosfera relaxante sem
tensão.
Talvez por ser um pianista
virtuoso que, em 1941, acompanhou
Tito Schipa, o Pavarotti de sua
época, durante várias turnês
brasileiras, Bocchino conhecia esse
segredo. O resultado disso foi uma
melhor performance dos músicos do
que os resultados obtidos por
maestros tensos e exigentes que
corrigem cada
nota e inspiram medo no pódio.
Durante minhas
mais recentes dez
temporadas com a Orquestra Nacional,
já após a morte de Bocchino, descobri tardiamente que o
maestro
/ pianista estava entre os melhores
compositores do Brasil. Tocamos e
gravamos uma pequena obra de
Bocchino pouco apresentada, a "Seresta Suburbana".
Uma lástima que, como muitos
maestros-compositores (incluindo
Bernstein e Gustav Mahler), Bocchino
não tinha tempo livre suficiente
para compor muitos outros trabalhos.
Provavelmente, a
composição era seu maior talento!
Eu gostei de
apresentar o
trio do Maestro para oboé, fagote e
piano, intitulado "Que coisa",
composto a pedido da pianista
Fernanda Canaud, professora da
escola Villa-Lobos. Com o falecido
Noel Devos, inimitável no fagote, o
trio foi gravado ao vivo da Sala
Alceu Bocchino, no antigo prédio da
Radio Mec, para a lamentavelmente
extinta série de concertos de Lauro
Gomes, o programa "Sala de
Concertos". O trio relembrava as
casas de tango do sul do Brasil, e Bocchino afirmou
estar
incorporando em suas obras a dança argentina, muito antes de Piazzola.
Em um ensaio sobre o "maestro
autodidata", Fuad Atala lembra que
Bocchino, na década de 1930, foi o
primeiro jovem advogado que era mais
conhecido como um bom pianista e
regente. "Ele considerou a lei sua
segunda vocação", escreve Atala. "Um juiz
de Curitiba
disse a Bocchino: "Doutor, espero
vê-lo em breve como um grande
advogado que toca música para o dilentanismo ". Bocchino respondeu: "Vossa
Excelência, não sei se me tornarei
um grande músico, mas tenho a
certeza de que exercerei a lei como
um diletante".
"Desencantado com sua
capacidade de convencer o júri de
que um acusado de assassinato - que
realmente assassinou sua noiva - era
inocente, Bochino decidiu aposentar
seu diploma de advogado e dedicar-se
inteiramente à música."
"Nunca saberemos se a lei
perdeu
um grande advogado, mas certamente a
música brasileira ganhou um novo e
valioso participante".
Bocchino conduziu
na Espanha a Orquestra
Sinfônica Brasileira, em nossa
tournée de 1974 pela
Europa, e fomos recebidos com grande
sucesso. Lembro-me especialmente de
seu acompanhamento infalível e
virtuoso de concertos para piano,
que, como pianista que era, Bocchino deve ter
tocado de memória.
Como professor na escola Villa-Lobos, no Rio, muitos achavam que
ele estava fora de lugar. No
exterior, Bocchino teria sido um
palestrante convidado em um
conservatório de alto nível ou
universidade de prestígio. Não
obstante, em vez de viagens longas a
outros países, ele parecia preferir suas
idas semanais de Copacabana ao
centro do Rio, para ensinar a
regência e composição para talentos
jovens e veteranos.
Tive o privilégio de ter estudado
por um breve período de tempo com o
maestro durante estes dias,
completando sob a sua competente
orientação, o meu "Duplo concerto"
para violino, oboé e orquestra
intitulado "Saudades de Nova Iorque
/ Nova York Nostalgia". Por fim,
apresentei este trabalho com a Orquestra Rio Camerata.
Também foi apresentado em Melbourne na
Austrália, e por outras pessoas nos
Estados Unidos (Lousiana e Novo
México).
Durante anos, em minhas visitas
anuais à minha cidade natal, Nova
York, eu estiva procurando um
professor de composição renomado para aprimorar minhas
habilidades. Para minha surpresa, o
melhor professor de composição que
encontrei foi morar a uma curta
distância da minha residência em
Copacabana: o maestro Alceu Bocchino!
Texto: Harold Emert (contato)
Tradução: Roberto Carelli
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Dúvidas ou questões, entrar em
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